A Paixão de Cristo

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Vou começar avisando. Esse resenha está cheia de divagações. Se você quiser ler apenas sobre o filme, creio que esta não é a mais indicada para você ler. Leitores avisados, vamos à resenha.

O filme assassino. Esse foi o “apelido carinhoso” dado por mim a esse filme enquanto esperava na fila para comprar ingressos (onde passei longos cinqüenta minutos, um absurdo). Para quem não sabe, duas pessoas morreram assistindo a ele. Uma nos EUA e uma aqui mesmo, no Brasil. Claro que Mel Gibson e equipe nunca se manifestaram a respeito, afinal, os milhões de dólares que estão enfiando no bolso graças ao filme são muito mais importantes do que as vidas perdidas graças ao seu trabalho.

Admito que estava realmente com medo de que minha namorada, que me acompanhava, engordasse esta absurda contagem de corpos. O medo de que minha própria vida fosse ceifada durante a sessão também me afligiu. Pois é, eu sou realmente paranóico. Bem, como vocês podem perceber, ainda estou vivo. Ela também.

Polêmicas envolveram o filme desde antes do seu lançamento. Cristãos de um lado, judeus do outro, religião contra religião, esquecendo tudo que seus próprios evangelhos ensinam a seus seguidores. Essa é, basicamente, a história da humanidade.

Não sou católico, não sou judeu. Até pouco tempo atrás, me considerava ateu, mas nem sei mais se me qualifico a isso. Mas, apesar de estar de fora das religiões (talvez até mesmo por causa disso) gostaria que elas fossem seguidas. Se todos que se dizem católicos, judeus, budistas ou quase qualquer outra religião existente seguissem a fé que escolheram, viveríamos em um mundo com menos competição, menos diferenças sociais e mais solidariedade, pois isso é, além de um ponto em comum entre a maior parte das religiões, o verdadeiro núcleo de seus ensinamentos.

Religião se tornou, para a maior parte das pessoas, uma obrigação hereditária. O indivíduo, literalmente, herda uma religião à qual se sente preso durante boa parte da sua vida, sendo obrigado pela família a ir a missas e equivalentes. Quando essa fase termina, o cara vai abandonar a religião de vez (se é que um dia a abraçou realmente) mas vai continuar dizendo que segue essa ou aquela (mesmo que não o faça, nem nunca tenha feito) ou vai continuar seguindo esses compromissos por peso na consciência. Para aqueles que acham que eu estou exagerando, um simples exemplo: alguém já viu algum católico oferecer a outra face após um ato de violência? Eu não. O que vejo, infelizmente, é um mundo onde, por causa de algo banal, como uma fechada no trânsito (talvez até involuntária), um otário tirar sua arma (coisa que nem deveria existir, e garanto que existem pessoas religiosas em fábricas de armas que usam a velha desculpa “eu apenas sigo ordens”) e acabar com a vida do coitado que não tomou o cuidado necessário ao dirigir. É triste que a humanidade tenha chegado a isso.

Cinco parágrafos depois (seis se você contar o aviso introdutório), ainda estou divagando sobre religiões e nem falei sobre o filme. Acho religiões fascinantes e poderia escrever muito ainda sobre o assunto. Talvez no futuro, por enquanto vamos ao filme.

Como todo mundo deve saber a essa altura, A Paixão de Cristo relata as últimas 12 horas do “rei dos judeus”. Aliás, a palavra que deveria estar entre aspas na última frase deveria ser “relata”. Claro, todos conhecem a história de Jesus como a ponta dos dedos, mas o filme realmente não se preocupa em explicar nada. Por que ele foi crucificado? Por que tanto ódio? Quem são os “coadjuvantes”? Se você quer saber, não assista ao filme de Mel Gibson, leia a Bíblia. Posso dizer que, se não tivesse lido em algum lugar que Monica Belucci representaria Maria Madalena, não teria percebido isso pelo filme, pois poucos nomes são relatados. Era provável de eu acabar perguntando para alguém: “Mas por que ficaram mostrando aquela chorona o filme inteiro?”. Pilatos também é outro que, quem não conhece a história, pode não perceber de quem se trata (apesar de sua célebre frase de efeito).

Também tenho minhas dúvidas em relação à fidelidade à Bíblia. Admito que não a li, mas nunca soube da presença do diabo assistindo à via-crucis enquanto carrega um nenê no colo (o que é aquilo? Damien? O bebê de Rosemary? Anton LaVey?). Isso se é que aquele personagem andrógino é o diabo, pois isso não é explicado e pode ter sido um erro de interpretação devido à minha ignorância. Aliás, na primeira cena em que este personagem aparece, conversando com Jesus, achei que era Maria. Até pensei: “Puxa, que Maria assustadora”. Claro que mudei de opinião quando foi mostrada uma minhoca passeando pelo nariz do encapuzado personagem.

Outro motivo para as aspas estarem no relata de dois parágrafos atrás está na total ausência de acontecimentos. Após a condenação de Jesus, o filme se resume à tortura deste. A cena do açoitamento, em especial, é chocante. Enquanto vemos Jesus sendo submetido a flagelos dos mais diversos objetos, os carrascos exibem expressões de gozo, além de gargalharem como amigos em uma mesa de bar. Não sei se achei mais impressionante a hora em que uma das armas arranca a carne de Jesus expondo suas costelas ou as expressões (faciais e corporais) dos soldados romanos que parecem estar sentindo um prazer literalmente sexual ao torturar o prisioneiro. Isso, ao meu ver, simboliza toda a maldade da humanidade com a qual, infelizmente, convivemos até o dia de hoje. Essa cena é de tirar lágrimas.

É realmente difícil de acreditar que, em algum momento de nossa história, pudessem existir pessoas tão cruéis. E pior ainda é sabermos que coisas como essas ainda acontecem diariamente. A maldade da humanidade (rima involuntária) está presente desde a criança que tira sarro do colega na escola até o policial que tortura um prisioneiro. São dois exemplos de atitudes selvagens que não trazem nenhum bem a não ser o prazer para aqueles que a executam (e não entendo como podem ter prazer em fazer alguém sofrer). Curiosamente, a cena do açoitamento é mais violenta que a da crucificação. Ela é tão horrível que me fez pensar em sair do cinema com medo do que viria no clímax do filme.

Outro ponto negativo: a legendagem. Apesar de o filme depender bem mais das vísceras arrancadas de Jesus do que dos diálogos, creio que ao menos 25% das falas do filme não são legendadas. Como já foi amplamente divulgado, o filme é falado em aramaico e latim. Admito que não conheço nenhum dos dois profundamente e que nem sou capaz de diferenciá-los, porém imagino que a falta de legendas em algumas cenas se deve ao fato de que o tradutor escolheu apenas uma delas para legendar e decidiu que a outra ia permanecer sem as “letrinhas prestativas”. Isso não chega a prejudicar o entendimento, já que a história do filme é muito conhecida, mas é no mínimo sacal ter cenas com diálogos completamente incompreensíveis.

Com tantos pontos negativos, o filme também tem suas glórias. As interpretações são fenomenais. Todos os personagens estão muito bem representados e o figurino também está bem legal. O fato de o filme causar os sentimentos que causa também é digno de elogios. Outra vantagem é ele ter me inspirado a escrever essa resenha e se, com ela, fizer ao menos uma pessoa pensar sobre o que escrevi (apesar da polêmica que tenha certeza que este texto vai gerar), já terá valido a pena.

Isso, infelizmente, não é suficiente. A Paixão de Cristo é um filme sádico. Mais impressionante do que a série Faces da Morte, é um filme que vale ser visto apenas para quem, como os carrascos do filme, sentem prazer em ver violência e maldade da qual nem Freddy Krueger é capaz (claro que este é um personagem cômico, mas fica o exemplo). Para todos os outros, gastem seu dinheiro em outra coisa.

PS: Mais um exemplo da maldade humana. No momento em que escrevo esta resenha, está passando na TV um daqueles programas de câmera oculta. Neste segmento, o protagonista do programa finge estar pedindo uma mulher em casamento em um estádio, com o pedido passando no telão. A mulher (também uma atriz) recusa e a reação do estádio foi, surpreendentemente, de rir da cara do pobre coitado (que na verdade é um ator milionário, mas isso não vem ao caso). Alguns até caíram da cadeira de tanto rir. Será que todos eles se diziam ateus ou seguiam alguma religião “do mal” da qual eu nunca tenha ouvido falar?

“Talvez não seja tarde demais para aprender a amar e esquecer como se odeia”

Ozzy Osbourne, na clássica Crazy Train